quinta-feira, 22 de maio de 2014

Torcer por um clube estrangeiro no Brasil: algumas considerações

por: Artur Alves

O debate a respeito de pessoas que são fãs de um clube externo às suas fronteiras está aberto há alguns anos no Brasil. Primeiro vieram o questionamentos sobre os que torcem por um time de outra região, mais particularmente do Rio de Janeiro e São Paulo. Contudo, outro viés dessa discussão se juntou e parece estar ficando cada vez mais forte: os brasileiros que torcem por clubes estrangeiros. Ironias, concepções de torcedor verdadeiro e interpretações sobre a influência do marketing e da mídia são pontos centrais nos argumentos de ambos os lados.


Os canais esportivos na TV por assinatura dão grande espaço em suas grades de programação às notícias de clubes europeus. Através deles o telespectador toma conhecimento da existência desses times, dos jogadores (e eventuais estrelas) que compõem o seu elenco, dos seus belos estádios, dos títulos importantes que já conquistaram e talvez também de grandes torcidas. Clubes que trazem, portanto, elementos que enchem os olhos de quem gosta de futebol.

Os jogos de videogame também são outra importante ferramenta para apresentar esses clubes ao público de outros países. Conhecer a escalação de um time e os talentos de seus jogadores certamente fica mais fácil quando se vê e se interage com esses dados na tela a todo momento.

A TV e o videogame, assim, encurtam as distâncias entre o torcedor brasileiro e os times de outros países. Já não são mais aqueles clubes dos quais só se ouvia falar nos giros do “futebol internacional” que duravam poucos segundos na TV aberta. A internet contribui como mais uma fonte de informação a respeito desses times.

Conhecedor, ainda que superficialmente, sobre o time, o torcedor pode sair do estado de indiferença a respeito dele e acabar criando algum laço de simpatia. Laço que pode se estreitar para algo mais forte.

Através da internet esse torcedor pode se comunicar com tantos outros que, a exemplo dele, estão aprendendo mais sobre e até se afeiçoando àqueles clubes de fora. É reproduzida virtualmente aquela rede de conversas e zoações tão comuns nas escolas, ruas e bares.

Conhecimento sobre o clube, acompanhamento dos seus jogos e das suas notícias diárias, pertencimento a um grupo de amigos que diariamente conversa e zoa sobre futebol estrangeiro, ajudando a fortalecer essas identificações com o clube de outro país. São criadas no cenário virtual muitas das situações que ajudam uma pessoa a se afeiçoar e se tornar um torcedor de um clube.

Estamos vendo uma maneira diferente de torcer, de se relacionar com o time e de criar um grupo de torcedores amigos e adversários com os quais o fã vai debater, cornetar e zoar o desempenhos dos times. Essa maneira de viver o futebol é ainda mais dependente da tecnologia da TV, internet e videogames, visto que são estes os principais meios para se acompanhar o time e conversar com pessoas de interesse em comum.

Ainda não é possível observar se esses laços afetivos construídos no ambiente quase puramente virtual serão tão duradouros quanto os construídos à maneira “tradicional”. Frutos de um cenário tão moderno, talvez esse vínculo com o clube estrangeiro possa ser dotada daquelas características que Zygmunt Bauman chama de amor líquido, uma relação de afetuosa que, a exemplo de quase todo oque envolve a vida moderna, não se sustenta em bases sólidas e não demora a se desfazer. Esta é, contudo, apenas uma divagação. Pesquisas a médio prazo, identificando uma linha crescente ou de quedado de pessoas que afirmam torcer por um clube estrangeiro, se envolver emocionalmente, consumir notícias e produtos desses clube, seria uma boa forma de identificar se esse vínculo é passageiro ou não.

Além daqueles que se envolvem emocionalmente com um clube estrangeiro, também há os que desaprovam essa postura.

A dependência do meio virtual é um dos pontos de crítica a esses torcedores. É posta em questão a autenticidade de seu compromisso afetivo com o clube. Esse suposto amor é interpretado pelos críticos mais como o fruto da superexposição na mídia (e aqui pode vir a acusação de alienação), e também do deslumbramento com as estrelas e com o marketing (gerando a crítica de serem “modinhas”).

Os críticos podem se referir aos torcedores de times estrangeiros por expressões como “torcedor Playstation”. Ela tem, implícita ou explicitamente, um sentido pejorativo. Simplifica e esteriotipa o vínculo emocional do torcedor com o clube ao fator “modinha”. Sugere que ele não seria um torcedor autêntico, visto que seu ambiente é restrito ao virtual. É também perceptível crítica à condição econômica desse torcedor. Sendo capaz de comprar o videogame e os jogos, ele estaria numa situação de classe média, mimado, “coxinha”. A expressão “leite com pêra”, também usada para caracterizar esse torcedor, traz igualmente a ideia de mimo.

Podemos ver que nesse debate existe um confronto entre concepções do que é ser um torcedor verdadeiro. Para os críticos dos fãs de clubes estrangeiros, ser torcedor é uma condição que deve passar pela experiência física, do ir ao estádio, do convívio social direto (ou fuga dele, quando o time perde) entre os pares que acompanham futebol. A escolha do time é algo que não se deve levar pela “moda”, pelo marketing. É valorizado o fator tradição, da influência familiar.

Por sua vez, os fãs de times estrangeiros apresentam uma noção de torcedor diferente, onde a tradição perde um pouco de força diante da possibilidade de se escolher o novo, onde a experiência física de assistir aos jogos e conversar com amigos pode ser reproduzida e substituída em meios virtuais, e onde a fama e o marketing do clube são elementos válidos para se escolher um time para torcer.

A comparação entre esses tipos ideais de torcedor não é feita só de diferenças. Além dos já mencionados elementos do torcedor “tradicional” que foram adaptados ao mundo virtual pelo fã de clubes estrangeiros, é notável que a fama de um time, as estrelas que jogam ou jogaram nele, seu patrimônio e títulos, tudo isso também é levado em conta, no plano nacional, pelo torcedor “tradicional” quando se afeiçoa a um clube.

A escolha de um time local para torcer também não está livre da influência da mídia. Os jornais, programas de rádio e TV expõem diariamente aos torcedores informações cotidianas e históricas sobre os clubes, informações essas que chegam ao telespectador e se juntam, em sua mente, às diversas variáveis que influenciaram no seu sentimento pro um clube.

Não é por acaso que a maior parte dos estados do Brasil tem torcedores de times de Rio de Janeiro e São Paulo, estados onde se concentram a chamada “mídia nacional” que manda diariamente a esses estados, através de uma rede de afiliadas, notícias e transmissões de jogos dos clubes cariocas e paulistas, conteúdo por vezes maior até que o dedicado aos clubes dos referidos estados.

É fundamental destacar, ainda, que mesmo o torcedor de times estrangeiros  provavelmente torce por um clube local. Ele é, também, um torcedor “tradicional”. Ele convive com esses dos tipos de torcedor dentro de si sem maiores crises de identidade.

Cada torcedor tem, certamente, o direito de tomar uma posição nesse debate e defender seu ponto de vista e sua noção de verdadeiro ou adequado. Não cabe ao cientista social, entretanto, esse julgamento de valor. Não me parece cientificamente frutífero pensar o advento do torcedor “virtual” como uma perda da tradição ou deturpação do ser um torcedor autêntico. Creio ser mais proveitoso compreender esse fenômeno como uma maneira diferente de torcer, por si só nem melhor nem pior, advinda de um momento social peculiar e que muito nos pode mostrar a respeito da nossa sociedade nas mais diversas esferas, como a econômica, a política, a ideológica e a cultural.

Se a maneira “virtual” de torcer é capaz de criar laços afetivos duradouros com o clube é algo que ainda não temos dados para responder. Além disso, há ainda outro questionamento, que ficou de fora dos objetivos desses descompromissados parágrafos: o de saber se um amor duradouro é de fato o que os torcedores “virtuais” estão procurando.

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